“Será mesmo que ela está tão atraída por mim quanto eu por ela? Não deveria, mas gosto disto. Gosto demais até.” – Estava realmente feliz naquele momento, após ouvir aquele elogio tão espontâneo.

“Como ela consegue ver minhas asas e o brilho? Nenhum outro humano até hoje conseguiu. Gostaria de lhe contar a verdade. Embora não tenha mentido, dei a entender que estava vendo coisas. Agora está confusa e é melhor assim. Não posso deixar que saiba da verdade. Iria querer saber mais e seria perigoso para nós e muito mais para ela.” – Dirigia parecendo concentrado na direção, mas na realidade estava pensando.

Ela também parecia distraída em seus pensamentos e ficamos os dois em um silêncio pacato e agradável. Estar com ela era assim: surpreendentemente bom! Na volta poderia perguntar e saber mais sobre ela. Agora apenas aproveitava esta quietude gostosa envolvido pelo calor de nossos corpos na noite um pouco fria.

Logo chegamos à casa de Antônio, bastante iluminada. De fora ainda ouvimos o som da música regional. Ele estava nos aguardando na entrada e abraçou Maise com carinho, cumprimentando-me com os olhos ao mesmo tempo.

A festa acontecia em seu imenso quintal com o cheiro da carne que assava na churrasqueira impregnando todo o ambiente, uma pequena fogueira em outro canto assando espigas de milho e batatas doces, várias mesas com cadeiras espalhadas e uma maior com comidas e bebidas. Parece que a vila inteira tinha vindo. Reconheci diversos aldeões e suas mulheres em vestidos floridos e alegres. Até as crianças estavam aqui, brincando juntas.

Quando entramos, todos nos olharam. Já me conheciam e embora pudessem estranhar minha presença era em Maise que se concentravam. Percebi o interesse mais do que casual em alguns moços e até mesmo nos homens casados. Devia ter imaginado. Maise era linda. Sua pele branca, os cabelos dourados e os olhos azuis não eram comuns nem mesmo em cidades maiores, mas aqui forneciam um contraste forte com a pele bronzeada e os cabelos e olhos escuros das aldeãs.

Aproximei-me mais dela. Não a deixaria à mercê destes homens. Toquei-a delicadamente no braço, perto do cotovelo. Era delicioso a tocar e como não fez nenhum gesto para se afastar, deixei ali minha mão. Era um recado claro e podia ver que não gostaram. Melhor assim. Ela era jovem, inexperiente e indefesa demais para lidar com estes matutos.

Antônio nos levou de lado a lado apresentando todos: Mário, o dono da farmácia, José, gerente do banco, Cida, dona da loja de roupas e tantos outros que logo os nomes e os rostos se tornaram um borrão confuso. Foram muito amáveis e logo estávamos ambientados, conversando e rindo. O som estava mais baixo agora de modo a permitir algum conforto nos diálogos.

Comemos sentados na mesa de Antônio e sua esposa Marta que Maise já conhecia. Riram lembrando-se da quantidade insana de pó que tiraram da cabana no primeiro dia e combinaram uma visita no próximo final de semana.

Não sai de seu lado, pouco interessado nas conversas, apenas a observando. Ela parecia à vontade e feliz. Era um prazer ver como interagia alegremente com eles.

Após o jantar a música ficou novamente alta e rápida. Maise não quis dançar e fomos para a sala onde um pequeno grupo conversava animado. Apresentaram-nos a uma mulher a quem ainda não conhecia: Rita. Maise a reconheceu. Era a dona da loja de bijuterias que tinha uma barraca na feira. Maise mostrou-lhe o medalhão no colar que levava ao pescoço e que até então estivera oculto pelo vestido.

Notei o choque de Rita. Ficou pálida, observando-o muito mais tempo do que seria normal antes de falar:

– É o símbolo de proteção das Fadas. Parece original e não cópias como os que vendo, ainda que não possa saber ao certo porque nunca vi um original. Como o conseguiu?

– Foi um presente de minha mãe, quando fiz 18 anos. Como assim original? – Maise perguntou.

– Já vi em alguns livros que estudei sobre o assunto. Elas presenteiam humanos de quem gostam com um destes e é um amuleto de proteção além de distinguir o portador para outros Elementais, caso vejam.

– Elementais? – Maise parecia confusa ao perguntar.

– Seres etéreos que representam os quatro elementos básicos da Terra: ar, água, fogo e terra. São as fadas, duendes, elfos, salamandras, ondinas, sílfides e muitos outros. Pequenos seres que cuidam de nosso planeta e também dos humanos, caso algum saiba se aproximar e os cativar. Dizem que Portal do Sol é a entrada para o mundo encantado de Etera, onde vivem.

– Sério? – Maise estava interessada. Será que estava acreditando?

– São lendas, basicamente. Estórias que se contam. Ninguém tem fotografias ou provas da existência deles, ainda que nós aqui em Portal acreditemos neles. – Respondeu Rita levantando-se.

– Desculpem, lembrei-me de algo. Tenho que ir agora. Quando puder, apareça em minha loja, conversaremos mais sobre as Fadas e mostro os livros e ilustrações que tenho. – Então se despediu dos mais próximos e saiu parecendo apressada.

Maise olhou-me curiosa como que perguntando o que eu pensava sobre o assunto. Dei de ombros, como se fossem bobagens que nem considerava e que tanto fazia serem verdadeiras ou não. Ela pareceu desapontada, mas contar-lhe o que sabia seria tão ruim quanto dizer sobre as asas. Era melhor deixar o assunto morrer.

Enquanto estávamos conversando na sala, o som mudara e agora as melodias eram lentas e românticas. Todos se encaminharam novamente ao quintal, incluindo nós, para observar os casais dançando.

– Dança comigo, Adriel? – Perguntou ela, olhando-me com aqueles olhos azuis profundos. Seriam meu fim, certamente. Não conseguiria recusar. O problema é que não tinha a menor idéia de como dançar, se bem que observando os humanos, não parecia tão difícil. Difícil seria estar com ela assim tão próxima, quando deveria afastar-me. Só esta noite, tinha me prometido. Foi esta a desculpa que me dei quando a acompanhei até a pretensa pista de dança no centro livre do quintal.

Texto registrado no Literar

Imagem: montagem minha à partir das fotos de dois pingentes encontrados na net.

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