Três fadas entraram e pediram que eu saísse para limparem Maise. Voltei à sala onde estavam todos discutindo nervosamente.

– O que houve – Perguntei à Tana.

– Os guardas voltaram. Eileen fugiu quando pediram que viesse com eles para ver a Rainha. O filho de Gnon Knur viu quando entrou no portal dos Elfos Negros.

– Ela era uma Elfa Negra?

– Não sabemos ainda. Que tal se fôssemos ao seu quarto ver o que encontramos?

Tana e eu saímos sem avisar ninguém e em Etera fomos diretamente à casa de Eileen na Vila dos Elfos. A construção era grande o suficiente para que entrasse, ainda que minha cabeça chegasse quase ao teto.

A mãe dela falecera quando ainda era pequena e como ninguém sabia quem era o pai, a Rainha ficou responsável por ela, criando-a junto com Luna que era quase da mesma idade.

Na infância brigavam como todas as crianças, mas foi na adolescência que as diferenças acentuaram-se e apesar de morarem na mesma casa, não tinham intimidade alguma. Luna, a mãe de Maise, tinha um temperamento doce, pacífico e harmonioso. Eileen era o oposto, agressiva, briguenta e arrogante.

Elas discutiam muito por conta dos gnomos, por quem Luna tinha uma simpatia especial e com os quais Eileen sempre implicava, tratando-os como escravos. Certa vez só não açoitou um porque Luna chegou a tempo de impedir. Levadas à Rainha, a discussão ficou tão séria que esta achou melhor que Eileen saísse do castelo e passasse a viver na Vila dos Elfos. Pensava que talvez a vida entre os seus ajudasse em sua sociabilidade e educação.

Eileen não gostou e por algum tempo deixou de falar tanto com a Rainha quanto com Luna. A Rainha pediu a Elros que olhasse por ela e esta aproximação entre ambos acabou transformando-a, ao menos aparentemente, em uma pessoa mais afável.

Quando Luna e Elros ficaram noivos, Eileen já tinha feito as pazes com as duas e voltara a freqüentar o palácio. Ainda assim, até onde soube, não eram amigas íntimas e estranhei a informação de que Eileen é quem ajudara na fuga de Luna.

Examinamos toda a casa não encontrando nenhuma pista e estávamos indo embora quando percebi uma pequena porta abaixo da escada que levava ao segundo piso. Como estava trancada, precisei forçar a fechadura para abrir.

Era um pequeno depósito, com prateleiras estreitas com alguns livros e papéis. Pegamos tudo para examinar na luminosidade da sala. Tana ficou com os papéis e um pacote amarrado do que pareciam serem cartas e eu com os livros.

– Adriel, você não vai acreditar. Meu Deus!!! – Tana exclamou após abrir o pacote e ler algumas cartas.

– De quem são?

– De Luna. Algumas para Eileen, mas a grande maioria para a Rainha. Ao menos duas por ano durante duas décadas!!!

– E a Rainha não quis ler?

– A Rainha nunca recebeu nenhuma delas! Luna enviava todas aos cuidados de Eileen. Veja, aqui também tem cartas para ela. Continue com os livros, vou ler rapidamente.

Os livros eram em sua maioria de magia. Alguns de magia branca, mas a maioria de magia negra. Encantamentos proibidos, raros e desconhecidos. Ali tinha de tudo.

– O que foi mesmo que o Oráculo disse?

– Que ela estava com o escorpião e que somente poderia ser encontrada com o coração, tal como você fez.

– Vou procurar algum encantamento que esteja relacionado com escorpiões, embora isto possa ser apenas uma simbologia para outra coisa.

Continuamos em silêncio por algum tempo com Tana lendo as cartas e eu procurando nos livros.

– Encontrei! O Veneno de Escorpião. Apresenta os mesmos sintomas. É este que utilizou, tenho certeza.

– Ótimo. Já li tudo também. Vamos levar tudo para a Rainha.

Ao chegarmos, fui direto para o quarto falar com Sili e as outras fadas de cura. Deixei os livros com elas para que estudassem e descobrissem o antídoto e voltei para a sala.

A Rainha estava sentada, lendo em silêncio as cartas. Outras cartas estavam nas mãos das fadas que também liam e choravam. Elros e alguns elfos confabulavam em um canto próximo.

Tana entregou-me uma das cartas para que lesse, mas antes que o fizesse a Rainha pediu silêncio e leu em voz alta a carta que estava em suas mãos:


“Mamãe,

Desde que saí de Etera, por mais de 20 anos tenho escrito implorando por seu perdão. Eileen disse que entregou todas as minhas cartas, mas que continuo banida e que não aceita nem mesmo que pronunciem meu nome, punindo quem os faz.

Penso que existe algo errado porque recebi o medalhão que enviou por encantamento. Sei que foi você, nenhum outro encantado poderia fazer o mesmo. É nosso símbolo de proteção, mas penso que também é algo mais porque consegui decifrar a frase gravada no verso e fala sobre uma chave. Chave do quê, Mamãe? Dei o medalhão para Maise em seu aniversário de 18 anos.

Não sente vontade de conhecer sua neta? Ela tem o sangue das fadas e ainda desconhece sua origem. Eu quero que saiba. Quero que conheça você, Etera e todos os encantados. É um direito que tem, é sua estória, sua vida, suas raízes.

No próximo mês todos nós voltaremos a Portal e ficaremos na cabana por duas semanas. Contarei a verdade para Maise e aguardaremos sua visita. Se não vier, iremos à Etera.

Não posso crer que nutra tanto ressentimento em seu coração que possa negar a Maise este direito. Ela não tem culpa do que aconteceu. Se não quer perdoar-me, aceito, mas imploro que a receba.

Envie um guarda à cabana na segunda quinzena do próximo mês para que eu saiba o que decidiu e se podemos ir ambas ou se receberá apenas Maise.

Com infinito amor e muitas saudades, de sua filha

Luna.”

As lágrimas desciam pelo rosto da Rainha ao terminar a leitura com a voz falhando. Tana foi para seu lado e abraçou-a.

– Não posso crer em tamanha maldade. – Disse.

– Majestade, estou atordoado. Nunca imaginei que Eileen fosse capaz de uma vilania desta. – Elros disse.

– Você que era mais próximo dela, Elros, consegue entender porque fez isto? – Perguntou Tana.

– Poder ou inveja. São as únicas explicações. – Disse eu no lugar dele que aquiesceu com a cabeça.

– Ela viria para Etera e tudo seria esclarecido. Foi mesmo uma pena o acidente. – Completou.

– Acidente ou outra coisa? Eileen não viajou para uma reunião de encantados naquela época? – Foi Tana quem colocou em palavras o que todos pensavam.

– Sim. Ela passou uma semana fora e foi um pouco depois da data desta última carta. – Elros confirmou.

A sala mergulhou novamente no silêncio, frente a esta possibilidade triste.

– Talvez jamais saibamos de fato se foi uma fatalidade ou se Eileen é culpada. Eu a criei como minha própria filha. Jamais imaginei que seria responsável por duas décadas de separação, saudades e talvez até da morte de Luna.

– Ainda tem Maise, Majestade. Sua neta está aqui e viva ainda. Encontramos o veneno utilizado e as fadas já estão trabalhando em um antídoto. – Compadecido com sua dor, procurei oferecer algum consolo. – Vou até o quarto ver se já têm novidades.

A tarde já estava no fim e embora ainda batesse com regularidade, o coração de Maise não estava tão forte como há algumas horas. Sili disse-me que o antídoto era feito com uma planta que só crescia em Nigro, o reino dos Elfos Negros.

– Quantas horas o encantamento que vocês fizeram durará? – Perguntei.

– Umas 6 ou 8 horas, no máximo. – Respondeu.

– Faça o possível para manter seu coração batendo. Vou falar com Elros e Gnon Knur. Pegaremos a planta.

Antes de sair, fiz um carinho em Maise que continuava inconsciente na cama. Na sala, chamei Gnon, Elros e a rainha e seguimos para meu escritório, onde contei sobre a planta.

– Teremos que invadir Nigro. – Disse, Gnon Knur, com seriedade.

– Não se esqueçam de que Eileen foi para lá. A esta altura devem estar preparados para esta possibilidade. – Elros ponderou.

– Eles estão acostumados com as artes da guerra e a magia negra. Nós somos um povo pacífico. Quais seriam nossas chances? – Indagou a Rainha.

– Estaríamos em desvantagem e seria suicídio. – Elros reconheceu.

– Temos que pensar em outra estratégia. Talvez possamos entrar disfarçados. – Foi o que pensei.

– Sim. Eu posso escurecer meu corpo e usar roupas parecidas com as deles. – Elros ofereceu.

– É muito perigoso, meu amigo. Tem certeza? – Questionou a Rainha.

– Certeza absoluta, Majestade. Vamos. Não temos tempo a perder. – Comandou já se dirigindo à saída.

Ele tinha razão. Cada minuto era importante agora. A vida de Maise dependia do sucesso de Elros, que teria apenas algumas horas para ir e voltar com a planta ou ela morreria.

Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

Deixe um comentário